A ceifa do centeio
Antigamente os dias eram de trabalho e esperavam-se lentos e duros para que o seu proveito fosse maior. Todo o tipo de distrações eram postas de lado, como as crianças, que quando não trabalhavam, só atrapalhavam. Como muitas vezes não se tinha onde deixar os miúdos, era costume atá-los todos a uma árvore ou enterrá-los até meio do corpo de forma a limitar tanto os seus movimentos que eles deixassem de ser uma preocupação durante essas horas sagradas de trabalho.
Num dia de ceifar o centeio na Rigueira, Rosa e Abel levaram os netos com eles para a belga. Levaram uma piqueta, porque o trabalho só para os dois era demorado e claro que com a piqueta vinha também uma garrafa de vinho que ajudava a anestesiar os corpos doridos. Chegados à belga e antes de iniciarem o trabalho prenderam então os três catraios ao tronco de uma carvalha, mas a urgência em começar a ceifar antes que o sol nascesse fez com que deixassem o cesto da piqueta junto dos miúdos, ou seja, em muito boas mãos. Logo arranjaram com que se entreter, puxaram o cesto para perto de si e atacaram a broa, a chouriça e o vinho até não poderem mais. Como ainda restou vinho e a sede já estava saciada, regaram-se da cabeça até aos pés, tal e qual um banho perfumado, pentearam-se e deixaram o cesto completamente vazio. Quando a ceifa já ia a meio e era a hora da piqueta, Rosa e Abel estafados, contavam com que trincar. Aproximaram-se do cesto e repararam nos netos todos encharcados:
– Oh Abel esteve a chover? Os pequenos estão todos molhados.
Abel correu em direção ao cesto enraivecido:
– Choveu, choveu! Choveu pelas goelas deles enquanto a gente trabalhava.
Sem esperar pela demora, pegou na corda que os prendia e em vez de verem o sol que estava prestes a nascer, ficaram a ver estrelas durante um dia.
Escrito por: Ana Arinto
Voz: Ana Arinto
A partir da recolha de histórias na Freguesia do Campo, concelho de Viseu.
Informante: Jorge Lopes. Recolhido em junho de 2022